quarta-feira, 21 de maio de 2008

Domingo

Hoje é quarta-feira. Mas pra mim é domingo.

O viajante independente desenvolve, com o tempo, uma série de hábitos que não necessariamente cabem na rotina de trabalho convencional. Quando menos espera, percebe uma deliciosa tendência a acordar sem despertador, a comer só quando tem fome, a odiar taxista, a dormir em ônibus apertado, a vestir as mesmas roupas por muitos dias (ou meses), a falar swahili ou alemão com muita mímica, a acessar a internet diariamente pra ver se o corinthians ganhou alguma coisa, a escrever para um blogue num mini-teclado, a cagar no matinho quando o ônibus para no trânsito, a acordar às 4 pra pegar o vôo mais barato, a ficar 6 dias sem banho para subir o kilimanjaro, a lavar cueca na pia e vestir a cueca úmida porque ainda não secou, a comer em barraquinha de rua, a tomar o chá oferecido pelo tibetano, a vomitar o chá oferecido pelo indiano, a não ser oferecido nada pelo chinês carrancudo.

A gente também confunde algumas coisas como a senha do Facebook com a do Orkut, o CEP da casa da afilhada e da vó pra mandar postal, o dia da república e o dia da independência do Brasil.

A gente também rapidamente esquece algumas coisas - até parece que de propósito - como trânsito de São Paulo, o telefone do ombudsman da Telefonica, jiló e, principalmente, o dia da semana em que está.

Esquecer o dia da semana, à primeira vista, não tem graaaande importância numa viagem: se for uma praia perto de um centro urbano, estará cheia no fim de semana; se você planeja passear no museu, segunda é um dia que arrisca de estar fechado; se você procura balada na Zâmbia, terça pode não ser o seu dia. Mas nada muito mais relevante que estas pequenas desventuras. Por isso, depois de mês e pouco, abandonei completamente a noção de semana.

No entanto, passados alguns meses mais, percebemos que a ausência de rotina semanal significava um erro fatal, até mesmo para quem está viajando por longo prazo sem compromisso nem agenda fechada: não tem domingo.

Aos desavisados que ainda sonham que viajar por meses de mochilão é igual ir de férias no resort ou passar a semana na casa de praia da tia, uma dica de amigo: não é a mesma coisa; viajar longamente cansa.

O deslocamento é fatigante; o processo de absorção dos estímulos é intenso; aprender idiomas, tomar decisões - grandes e pequenas -, comer na rua e lavar cueca na pia (para depois vestir molhada, já disse)... O fato é que de quando em quando a mochila pesa mais.

Foi então que resolvi declarar: "Hoje é Domingo" - e sim, na minha declaração é domingo com maiúscula.

Durante a viagem começamos a entender que não é obrigação todo dia estar explorando, consumindo, aproveitando, conhecendo, aprendendo, se mexendo. É fundamental parar para digerir. Não fazer nada. E por mais que todo mundo te previna, os primeiros meses são fatais: a gente se destrói.

Com o tempo começamos a observar o ritmo, buscar atividades que não sejam de pura “viajisse” – ou seja, que lembrem o dia a dia – tais como cozinhar, ver um jogo de futebol na tevê, sei lá, quem sabe até bancar um hotelzinho só pra tomar um longo banho de banheira.

Domingo para quem tá na rotina, muitas vezes parece tédio. Mas, do lado de cá, em movimento, aprendi a respeitar esse dia sagrado de almoço de família, cinema e pizza. Ou de não fazer nada. Absolutamente nada.

1 comentário:

PCS disse...

Penso que já te o disse, mas reafirmo-o:
A tua escrita tem muita qualidade!
Se um dia resolveres escrever um livro sobre as tuas viagens, avisa.
Abraço
PCS