segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Cocô Importado

Cocô tem em toda parte. Mas cada povo tem seus hábitos sanitários peculiares.

Em nossa caminhada, vimos exemplos bastante diferentes. Primeiro passamos por Angola, onde a pobreza e a falta de perspectiva da população eram tamanhas que (quase) ninguém cuidava do país, da cidade, do próprio bairro ou da casa. As instituições, entretidas com oportunidades de desvio de dinheiro ou outras sutilezas da corrupção, estão claramente mais engajadas em fazer um dinheirinho rápido que com as questões de higiene e saúde pública. A população, suficientemente ocupada em subsistir, menos ainda se preocupa com a latrina em que o espaço públlico se converteu: todo mundo mijando e cagando na rua. Todo dia contabilizávamos 4 ou 5 fertilizando e inúmeros regando a calçada - quem sabe um dia não nasce uma privada?

A praia em Madagascar tinha um sentido diferente. Pegamos uma festança que arrasta o povo do campo, das tribos e vilas - se bem que é um pouco difícil diferenciar os três às vezes - para a cidade de Mananjary, no encontro do rio com o mar. A festa ocorre a cada 7 anos para ver as crianças serem circuncisadas, rito que marca a passagem do menino ao homem. Este povo todo vindo dos arredores – e nem tão arredores assim - não tinha hospedagem bonitinho que nem turista francês (ou que nem nós), com lençol limpo e por vezes até privada e banho quente. Naturalmente, portanto, se dirigiam para o único lugar que não é de ninguém, ao mesmo tempo de todos: a praia. De nosso chalezinho burgeois, tínhamos a privilegiada vista de um dos toaletes preferidos dos sem-privada: um imenso tronco no meio da areia que escondia as partes íntimas dos mais tímidos durante o alívio de suas necessidades fisiológicas.

Já na Índia, a cultura geral imbuída na galera era de mijar agachado na parede e cagar no cantinho - cantinho de qualquer coisa, cantinho de qualquer lugar. Para mim ficou a impressão de uma transposição da cidade para o campo, sem transição, sem revolução sanitária ou coisa que o valha - saudoso Osvaldo Cruz, ainda bem que foste brasileiro! Cagavam por aí como se o asfalto fosse ficar fértil tal qual a terra que vai receber na próxima estação o arroz, o chá, o trigo. Claro que a obra humana fica imediatamente ofuscada quando comparada à merda bovina: as vacas deambulantes, elemento fundamental da paisagem urbana indiana, deixavam seus presentinhos por toda parte, para em seguida balançarem soberbas os rabos para limpar seus restos fecais.

Depois dessas e de outras, nosso avião pousou em Bangkok para nos mostrar rapidamente que a Ásia também pode ser limpinha. Mesmo na cosmopolita capital da Tailândia, no meio da agitação turística e da badalação non-stop da Khao San Road, incrivelmente no dia seguinte tudo nasce de novo; limpo. As garrafas de cerveja, bitucas de cigarro, restos dos carrinhos de noodles, falafel e coquetéis, os traços dos camelôs de havaianas falsificadas e dos demais personagens da noite urbana são diariamente cuidadosamente apagados pelo exército municipal de lixeiros e varredores. Funciona direitinho.

À primeira vista, os costumes do povo daqui são diferentes do restinho de Ásia que conhecemos: carinha fritando coisa na rua parece até saudável, pega a comida com luva de plástico e tal; lençol branco de pousada é efetivamente branco; e, mais surpreendente de tudo - particularmente após a imersão no norte indiano - é o que carinhosamente apelidamos de "produto"! Eles usam produtos de limpeza! Se alguém flagrasse a nossa cara no primeiro restaurante em que vimos o garçom apontar o revólver de "produto" para a nossa mesa para depois passar o paninho e devolver o brilho perfumado das propagandas de Veja à nossa mesa... foi só alegria.

No auge desta tola alegria, desci saltitante a escadaria do hotel pensando como finalmente posso usar firme um corrimão sem asco - coisa que era impossível na Índia, por exemplo - quando subitamente sinto algo pegajoso na mão... Olhando para baixo e para os lados vejo a merda - literalmente! - que algum turista - alcoolizado, fumado, cheirado, sei lá - fez na escadaria do hotel. Blérgh. Concluo rapidamente o tipo de coisa que este país tem que engolir em prol dos dólares e euros da molecada que pensa que tá no quintal do país deles e que aqui vale tudo: fumar em recinto fechado, beber até cair, drogar-se livremente nas ruas, consumir prostitutas maiores ou menores de idade, travestis ou transsexuais, chegar no hotel gritando às 5 da manhã, tirar foto onde diz o sinal ser proibido e até pedir esmola pro outro turista à uma da manhã com o filho loirinho dormindo no colo, como se lhe faltassem recursos – ou, ainda, como se o filho fosse próprio do marmanjo desprezível que suplica, coisa que duvido.

Moral desta história (sim, dessa vez vem até com moral da história!!!):

Em país educado, o cocô é importado!


5 comentários:

Anónimo disse...

E tu não deixou seu rastro, assim, como um "registro histórico"???

abraços!!

skok disse...

Qué bueno que aparecieron! Ya los estaba echando de menos.
Por favor: no traigan esas costumbres importadas cuando vuelvan!

Reial Linhares disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Reial Linhares disse...

Marcelo e Maca,

Meu comentário pode ser intempestivo! Mas, é válido sob o ponto de vista da partilha de informações de vivências...
Sempre acompanho vossos comentários, explanações e descrições do Mundo de forma ansiosa até! Gosto de como narram e escrevem!
Bom, por estes dias recebi (aqui em SAMPA) proposta para coordenar um escritório de advocacia em LUANDA...Para ganhar uma boa grana com direito a carro e um apartamento funcional... Confesso que meu lado "easygoing", "easyrider", "pathfinder" e faminto de Mundo...Me deixou extremamente tendencioso a aceitar o convite.
Vejo os relatos, pesquiso na internet e leio os livros e tudo no campo da racionalidade me diz a não aceitar o convite...Mas, confesso que algo me move!

Um forte abraço para vocês...

Ah! "Aqui na Terra estão jogando futebol, tem muito samba e muit show de Rock and Roll...Uns dias chovem e outros fazem sol..."

Roberto Reial (Ceará).
robertoreial@hotmail.com

Anónimo disse...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu