quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Olho no Olho

Quem aí conhece o Camboja?

O que colocou o Camboja na rota do turista mundial foram as impressionantes ruínas de meados do século VIII e IX da civilização Khmer. É o sensacional complexo de Angkor, no noroeste do país - para os mais roliudianos, tem uma cena de Tomb Raider nas maravilhosas ruínas tomadas pela selva. Enfatizo turista "mundial" porque creio que foi o primeiro sítio em que a presença massiva de orientais - leia-se olhos puxados - supera os ocidentais. A geografia colabora - estamos ao lado de China, Japão, Coréia do Sul, países orientais com poder aquisitivo - e a geopolítica também - o passado dos povos próximos intersecta e cria interesse.

Fomos então à Angkor. Enquanto admirava as obras do ápice da civilização Khmer, algo que inevitavelmente roubava a atenção eram as hordas de turistas apressados que devoravam os templos - com apetite consumista de madrinha em véspera de natal - e que me pareceram estranhamente familiares: uns 20 ou 30 orientais chegavam correndo com suas viseiras, cobertos de roupa da cabeça aos pés - inclusive luvas -, não obstante o calor fumegante de meio-dia, entravam na frente qualquer um ou de todo mundo que estivesse no caminho, o guia vomitava história enlatada, mil flashes brilhavam e vombora pro próximo templo. Surreal.

A convivência no sudeste asiático ainda não me bastou para discernir os povos da região pela fisionomia, mas aquele comportamento estranhamente familiar não deixava dúvidas: eram os chineses, os mesmos que conhecemos no Tibete.

Mas o que fez o país entrar nos livros de história foi uma outra faceta, que mancharia de vermelho a palavra que designa a etnia maioritária e dá nome a moeda local, com um dos maiores genocídios do século vinte - talvez páreo apenas para Stálin, Hitler e Ruanda. O massacre cometido pelo Khmer Rouge (Khmer "Vermelho"), sob a liderança de Pol Pot e patrocínio declarado da China de Mao, dizimou, dizem, 25% da população do país entre os anos de 1975 e 1979 (corresponde a aproximadamente 2 milhões de pessoas!), sob a égide de um retorno às raízes agrárias. Intelectuais, profissionais liberais, mulheres, crianças, muita gente, sem a menor atividade política, mas pelo mero fato de possuir uma empresa, uma terra ou um diploma, era tachada inimigo da revolução. Ou seja: presa, torturada até confessar crimes contra o estado - na maioria das vezes falsas confissões extorquidas à força para mostrar serviço ao chefe - e assassinada, atirada em valas.

Fomos então à Phnom Penh, capital do país, conhecer esta história. Um dos testemunhos mais "vivos" é o memorial "Killing Fields" de Choeung Ek, nos arredores da capital: em um campo onde foram assassinados cerca de 17.000 homens, mulheres e crianças, os sobreviventes ergueram uma grande "stupa" (monumento religioso budista) com cerca de 8.000 crânios (desenterrados do campo) aparentes, exibidos em "andares" que diferenciam faixa etária (estimada), evidente no tamanho dos crânios. Uma forma marcante de encarar de frente o que aconteceu, sem muita abstração ou simbolismo, comuns na arte contemporânea e, particularmente, nos conhecidos subterfúgios da publicidade.

Na mesma pulsação - ou seja, congelada - e na mesma cidade - Phnom Penh - um outro museu exibe ao visitante o que foram os porões da revolução maoísta do Camboja: S21. Uma escola secundária que, convertida em câmara de tortura coletiva e massacre de presos, chegou ao cúmulo de registrar cerca de 100 mortos ao dia em meados de 1977. Seus registros escritos e fotográficos cuidadosos, os testemunhos coletados de parentes ou de um dos 7 (sim, sete!) sobreviventes e o depoimento sinistro das celas, instrumentos de tortura, manchas de sangue na parede, são suficientes para calar os visitantes, estupefatos.

Sempre atento tanto ao turismo quanto aos turistas, notei que havia gente de todo lugar. Como sempre a presença massiva de europeus, seguidos por estadunidenses, cambojanos, sul-americanos, australianos, uma chilena e um brasileiro. No entanto, não importante a nacionalidade, parecia impossível para um visitante olhar no olho do próximo. Era como se um sentimento de vexação profunda tomasse conta da raça humana ali presente, pairando no ar a questão: quem foi capaz de fazer isso? Minha raça?

Curiosamente, o que não vi em S21 - nem tanto que fizessem tanta falta - foram as apressadas hordas de chineses.

1 comentário:

Ximena Rioseco Guzmán disse...

Donde Cresta andan !!!!!!!
Maca ya po escribeme...
More millones de besos

Xime