Quando eu penso no Laos, eu poderia, como todo bom turista, lembrar dos templos sensacionais de Luang Prabang; das aulas de desenho com os meninos monges; do original mercado de artesanatos nas ruas do centro; do passeio de barco pelo Nam Ou ou do passeio a pé de 2 dias pelos povos da montanha; do Palácio que virou museu; do desmatamento eminente patrocinado pelos chineses. Poderia ainda lembrar dos sabores típicos e especiais como a da salsicha de búfalo, a salada de alface e ovo com molho agridoce ou a de manga verde com picadinho de búfalo, o original "arroz pegajoso" (tradução livre para sticky rice), o guisado de porco com ervas e bambú, o omelete à la Laos com mil legumes e molho de peixe e pimenta, o frango no leite de côco, o peixe na folha de bananeira com lemongrass ou ainda a estranhíssima bolacha de algas com patê de sei-lá-o-quê.
Mas, curiosamente, a realidade não é tão perfeita como os pôres do sol na savana africana. O que eu lembro mesmo, honestamente, é de uma baguete besta de filé de frango com queijo e alface que comi um café da manhã qualquer, na beira do Mekong. Não era melhor nem pior que na padoca de casa, mas naquele momento era o que eu precisava. E o turismo "roots" que se foda.
O que percebo, ao recordar-me de nossa curta estadia no Laos através da baguete de frango, é como a experiência de viajar, como tantas outras coisas, tem um lado coletivo e um lado individual. O lado coletivo é aquele que fica registrado nos guias de viagem, nos cartões postais, nos livros de história, nos blogues de viagem. São fotos, descrições, aventuras, crônicas, desventuras, experiências, enfim, com um denominador comum que cativa os leitores: beleza natural, exotismo, adrenalina, perigo, conforto, surpresa, diferença cultural e assim vai. Já a experiência individual é a fusão destes elementos com aquilo que trazemos na bagagem: nossos gostos pessoais, nossa nacionalidade, nosso estado de espírito, nosso porte físico - digamos, para ser moderno e nerd, nossa "configuração".
A experiência individual, portanto, varia muito mais que a experiência coletiva, mas fica enormemente ofuscada dependendo do tipo de viagem feita. Uma viagem de grupo tipo CVC, por exemplo, é fundamentalmente coletiva, pois há espaço mínimo para a opção e para a fruição solitária, individual. Tudo o que é feito já é passado mastigado, interpretado pelo guia, que praticamente lhe diz o que você tem que sentir: aqui o pôr-do-sol é "emocionante", acolá é a igreja mais "importante" do continente; lá são os artesanatos "mais bonitos" e "originais" - tudo como se você não tivesse o bom senso para avaliar ou estudar por si mesmo. Em outras palavras, você está de férias, NÃO PENSE! E como se não bastasse, sempre tem um mano do lado para discutir e consensuar coletivamente sobre o quão "turquesa" é a cachoeira.
Uma viagem individual, independente, abre muito mais o universo de possibilidades de interpretação pessoal. Seja por descontrolada criatividade - no meu caso particular a Maca batizou de "O Fantástico Mundo do More" -, seja por simples ignorância - por vezes intencional -, o viajante viaja dentro da viagem, reconstruindo a história do império Khmer na imaginação, interpretando a mitologia indiana, revivendo o dia a dia do guerrilheiro vietnamita que defendeu o país debaixo de microtúneis com 30 metros de profundidade, sentindo a guerra civil angolana nos olhos vermelhos do povo que o encara com cara de mal-vindos.
No entanto, mais do que a invenção, são as pequenas doses de realidade que definem a qualidade da experiência do visitante: se o ônibus atrasou 4 horas para sair, se você esqueceu o relógio no último hotel, se uma lagartixa gigante caga sistematicamente no seu quarto, se um desentendimento tira o brilho do entardecer no Everest, se o tempo virou bem no dia que não podia, se não encontramos o maldito leopardo - afinal não é zoológico - , se você machucou a perna na véspera de fazer um trekking nos Anapurnas etc. Cada pequena variável de realidade impacta por vezes de maneira definitiva e irreversível a experiência de um em contraste com a de outro.
Porém as mesmas mínimas coisas podem impactar de maneira positiva: uma manada de leões que acidentalmente cruza a pista na frente do carro alugado, uma amizade nova no Tibete, uma simples varanda agradável, uma pantufa ou uma bolsinha artesanal do mercado de rua de Luang Prabang ou ainda aquele mesmo pôr-do-sol perfeito na savana africana.
E assim o visitante, de CVC ou não, pode ter a melhor lembrança da vida enquanto o vizinho ou o melhor amigo repudia o mesmo destino por uma experiência frustrante; e isso pode acontecer na China ou na Oficina de Pizzas.
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