sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Desaprendendo

Tashi delek", "Sabaai dii", "Xin chào", "Ni hao", "Namastê", "Mambo", estas são apenas algumas das formas de dizer um simples "Oi" nos idiomas dos países por onde andamos. É claro que, por mais viajante CDF que o cara seja, uma hora cansa ou falha o idioma local e, sem outra saída, apela-se pra Lingua Franca do turista: o inglês.

Pensando nisso, um tempo atrás, decidi que queria uma empreitada intelectual diferente.

Existe um site, uma rede social, chamada 43 Things que serve para as pessoas socializarem seus pequenos projetos futuros de vida e compartilharem as experiências passadas, ou seja, as benesses e dificuldades de quem se aventurou. Numa sociedade cheia de gente insegura lutando contra o anonimato, não é de se surpreender, portanto, que uma das realizações mais populares sejam "escrever um livro", uma celebrada e clássica forma de assegurar que sua vida valeu alguma coisa ou que você é um intelectual; em suma, que você é "especial". Lá nos primeiros lugares figura também, evidentemente, perder peso, provavelmente consequência da mesma insegurança acrescida do latente narcisismo e da pressão midiática pelos modelos de beleza do ocidente. Considerando que a maior comunidade ativa é estadunidense, não me surpreende, por fim, que uma grande parte deseje aprender um outro idioma, quem sabe como um pedido mudo de desculpas pela ignorância coletiva da classe média do país sobre qualquer coisa que tenha a ver com o resto do mundo.

O fato é que um tempo atrás entrei neste site para conhecê-lo e resolvi tentar me propor um objetivo um pouco diferente: Esquecer um idioma; esquecer o inglês. Ainda não consegui.

Esse propósito me voltou à cabeça fortemente na última semana, quando fomos conhecer os arredores de Hanoi, capital do Vietnã, mais especificamente, Halong Bay. Ok, confesso que para a empreitada comprei um pacote: 3 dias e duas noites, com caiaque e tudo. Halong Bay é uma sensacional baía em que ilhas rochosas cobertas de verde brotam magicamente no mar - uma concorrente ao título de maravilha natural do mundo. Então fomos nós de pacotão conhecer a maravilha.

Assim como nós, outros viajantes - empareados, sozinhos ou de galera - optaram pelo mesmo serviço, totalizando um grupo de 15. Conhecemos um grupo de molecada ausie, um simpático Maltês e um boxeador maluco estadunidense, entre outros, mas quem mais me chamou a atenção foi um tiozinho solitário e risonho que sempre aparentava estar perdido ou distraído. Discreto e calado, só interagia através de sorrisos e movimentos com a cabeça; e onde o grupo ia, seguia. Mesmo assim, parecia que seu silêncio tinha algo de sagrado.

Descobri, pelo passaporte, que era coreano. Percebi, pela atitude, que não falava inglês.

No meio dos mares de turistas que invadiam a baía em um interminável fluxo de réplicas do que seria a caravela vietnamita, liderados no sensacional e macarrônico inglês monossilábico dos guias vietnamitas, percebi a sorte do tiozinho: não tinha que ouvir os adolescentes australianos exagerando as piadas; nem o boxeador fortão exagerando as mulheres; tampouco compreendia os turistas da alta burguesia indiana forçando o inglês com seu inconfundível sotaque - em vez de hindi ou uma de suas 13 línguas oficiais, só porque falar inglês é chic. Sobretudo não era obrigado a escutar o maltês e eu falando mal dos australianos, indianos ou do estadunidense.

Alheio a tudo o que era palavra, o tiozinho, com a maior cara de satisfação, curtia a paisagem, bela, imponente, sem distúrbios, sem assunto que não a natureza em torno. Todo aquele inglês vazio que dominava o ambiente, para ele, significava tanto quanto o motor do barco e o tiozinho seguia olhando a paisagem, risonho.

Ah, como eu quis, ainda que por um dia, desaprender o inglês! Claro que eu seria obrigado a me comunicar em mil outros idiomas quando no estrangeiro; seria obrigado a gesticular, a fazer mímica para me explicar em muitos destes países; seria obrigado, talvez, a mudar de profissão; seria obrigado a esperar o próximo sensacional livro do Dan Brown ser traduzido - ou me contentar com Paulo Coelho para meus momentos de fraqueza intelectual; seria obrigado até a contratar o amigo Klauss para traduzir um texto.

Mas, sem dúvida, seria uma experiência interessante, ainda que por um dia, desconhecer por completo o universo do onipresente inglês, idioma universal do turista e, como o tiozinho, me resignar a contemplar em silêncio mais uma das tais wonders of nature.

3 comentários:

Anónimo disse...

SENSACIONAL, porra so li o primeito texto do blog e já achei melhor do que muito artigo que já li

Anónimo disse...

esta cronica refletiu com simplicidade a falat de respeito e alienação hipócrita e xenófoda da população mundial.

o pior é que estes visitantes representam uma porção menos estúpida do que o restante que nunca trocaria uma viagem à América por uma aventura como esta.

uma pena

Guga disse...

Ceh
Ce nao sabe que perfeito caiu seu ensaio! Viemos, Spicer e eu, em tres horas de viagem pra Bend discutindo a onipresenca do Ingles, a falta de cultura geral do americano - ou estadunidense, como voce diz -, e o fato de que existir mac donald's no brasil nao quer dizer que a gente compra toda a cultura (ou acultura) deles, mas que a gente tem sim parte dos produtos. Logico que temos tambem parte da cultura norte-americana no brasil, mas discordo que os produtos SEJAM a cultura, para mim eles a representam.
Anyway, adorei seu texto e amanha quando o spice acordar vou ler pra ele.
beijos pros dois!
Em tempo: ipod faz maravilhas quando voce quer apagar os outros! lembre-se que eu morei com QUATRO caras de 24 anos antes de o spice comprar nossa casa atual!! Pra ler meus textos pra faculdade aqui eu ligava musica classica no talo e esquecia que eles estavam assistindo south park.