Pra gente que nem a gente que vem de lá do sul do hemisfério sul das américas em vôos de dia e meio com duas ou três escalas, a Tailândia, com seu povo meio polinésico, parece um lugar muuuito distante. No entanto, no primeiro dia em Bangkok, tomo uma cerveja com Greg, um sul-estadunidense de trinta e muitos, bem do provinciano, que estava começando sua primeira viagem internacional. Como assim? Primeira viagem internacional num lugar tão longe, que pode ser, para muitos brasileiros, até um sonho idílico?
A Tailândia de Greg e a minha diferenciam-se não exatamente nem apenas pela distância, pelo poder aquisitivo do caipira estadunidense ou pelo fato de milhares de vôos conectarem diretamente os EUA com a Tailândia. A diferença fundamental é mais embaixo: a pop-star do sudeste asiático guarda um contraste profundo que reside, segundo minha mais nova teoria da conspiração, em seu histórico alinhamento com as potências do ocidente - notoriamente EUA. Este alinhamento, além de transformar a Tailândia em base de operações para os conflitos do sudeste asiático - destaca-se, obviamente o conflito do Vietnã que afetou toda a região -, aproximou as relações do país com o "American Way of Life" e abriu as portas ao resto do ocidente desde há muito, fato consumado no PIB atual do país: com tsunami e tudo, a receita número um é o turismo.
Foi assim que, bem antes dos vietnamitas descobrirem a Coke Zero, da menina cantar Like a Virgin no karaokê no Camboja ou da dona da pousada no Laos viciar em videogame, os thais já aprendiam inglês instrumental, inventavam shows de ping-pong e promoviam lutas de mwai thai (boxe tailandês) entre lutadores reais ou travestis e se prostituíam no ritmo da demanda, fazendo da Tailândia um belo parque de recreações para o solitário e deslumbrado estadunidense.
Melhor ainda: para a conveniência de Greg, empresários rapidamente popularam as grandes cidades e hubs turísticos com uma ampla rede da franquia estadunidense 7/11 ("Seven-Eleven"). Assim, este país de natureza exuberante, agradável clima tropical (quando não tem monções nem tsunami) e praias quase no nível de Morro de São Paulo, exibe, após algumas décadas de globalização precoce, uma cadeia de 7/11's que deixa o onipresente Mc Donald's paulistano no chinelo.
Então, a cultura tailandesa, sumamente budista, eminentemente conservadora, profundamente familiar, aparentemente xenófoba (isso é tema para mais uma crônica especulativa...), invadida por hordas de turistas ocidentais, em grande parte jovens baderneiros, é transformada invariavelmente.
Felizmente esta cultura tailandesa é uma cultura forte. E reage.
Nos destinos frequentes dos anglo-branquelos - e, recentemente, também dos asiáticos endinheirados, isto é, em maioria chineses, japoneses e sul-coreanos - a influência cultural é uma evidente via de duas mãos em que circulam visitante e visitado: alemães com tatuagens tradicionais tailandesas, americanos com tailandesas (e muito pouco vice-versa), o previsível rock thai competindo com o uníssono Eagles - hit dos bares de expatriados e turistas -, monges ocidentais em templos nas montanhas do norte, cursos de meditação, de thai, de cozinha thai, de massagem thai, de mwai-thai, de tai-chi etcetera. Não obstante, em cada esquina, uma conveniente lojinha verde, vermelha e laranja.
Mas nem só para furtar uns mililitros de ar-condicionado e tomar yakult na madrugada serve o 7/11 tailandês.
Seven-eleven: o simpático nome da loja, além de rimar, no inglês, dois números primos (coisa que evidentemente me agrada), me chama a atenção por simbolizar este contraste que vigora nas ruas de Bangkok, nos templos de Chiang Mai, nas montanhas de Pai, nas ilhas do Leste, no Parque Nacional Marítimo do Oeste, nos dive spots do sul. Primeiro tem o seven (7), o cabalístico número que quantifica os pecados capitais, as maravilhas do mundo, a redondilha menor, os dias da semana e o número de filhos que quero ter. Já o eleven (11), pra quê diabos serve? É mais que uma dezena, menos que uma dúzia; mais que um decassílabo, menos que uma redondilha maior; mais que a camisa do Pelé, menos que os trabalhos de Hércules - e definitivamente mais do que o número de filhos que quero ter. É um número bizarro, despropositado. Um verdadeiro intruso no chamado "N" - Conjunto dos Números Naturais.
Seguindo o contraste do nome, a loja tem o trivial, o esperado, o seven. Mas tem também o intruso, o bizarro, o eleven. Tem o hot-dog, claro, emblemático da cultura fast-food do país do Supersize Me, mas tem também salsicha de camarão; tem os típicos Gatorade e Coca-Cola, mas também tem chá-verde, café gelado e suco de tamarindo; tem Ruffles, Lay's e Pringles, mas tem amendoim sabor côco, batata sabor alga-marinha, e banana-frita; tem o obrigatório ketchup, mas tem os alternativos molho de peixe, molho de ostra e mil variedades de molho de pimenta; tem os típicos sanduíches de pão de forma com atum, frango desfiado ou presunto e queijo, porém obrigados a conviver com o peixe defumado, a carne seca e o estranho donut recheado com lula e pimenta.
Naqueles 10 metros quadrados de geladeiras, prateleiras e atendentes verde-laranja, o colonizador foi colonizado. Tem pro Greg e tem pro thai. Tem pro seven, tem pro eleven.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
2 comentários:
Isso é o que eu chamo de capacidades avançadas de reflexão.
Desde os primórdios (até hoje em dia) pra mim 7/11 sempre foi uma loja que, quando inaugurou, devia funcionar das 7 da manhã até as 11 da noite. :D
abs!
Sensacional, Aloisio.
Somos todos um pouco seven e um pouco eleven!!!
E o Seven Thai eh muito mais legal!
Bjs
MamaMô
Enviar um comentário