segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Ihh, Virou Paisagem!

Já fiz uma reflexão, anteriormente, sobre as novidades de uma viagem, sobre como o infindável universo de paisagens, pessoas, coisas, gestos, sons, comidas, estimula o viajante a prosseguir suas aventuras de forma doentia e insaciável (Ver: "Até que o Mundo se Repita"). Esta reflexão tem um fundamento científico em um famoso postulado das ciências cognitivas e da informação: informação é diferença. Explico.

Quando você aprende a guiar, seu estado de consciência é de alerta, até se 'acostumar' com a rotina do carro. Depois de um tempo, 'acostumado', você vai no 'piloto automático', poodendo conversar normalmente, ouvindo rádio, fechando negócio ou combinando cinema no celular, sem afetar - muito! - suas manobras. No entanto, se ouvir um ruído estranho na embreagem quando mudar a marcha ou ao acionar o freio, você entrará em estado de alerta novamente, porque sabe que alguma coisa pode estar errado. Por que você conclui isso? Porque no momento que você 'distingue' um barulho que não é normal, ele é diferença, é uma informação, é um imprevisto. Ao passo que o tal 'piloto automático' é a repetição, é o movimento praticamente involuntário ensinado ao corpo para lidar com a rotina sem maior esforço.

Viajando, ocorrem os dois processos com frequência. Tudo é novidade em um primeiro momento, corpo alerta, sentidos ligados em tudo. Mas com a frequência qualquer maravilha cai na repetição e no trivial. Eu digo que 'vira paisagem'. O primeiro, segundo, terceiro monastério tibetano são sensacionais. No entanto, se você não for budista, não tiver grande conhecimento da cultura, dos valores, da história, da simbologia etc, o quarto, quinto, o trigésimo-primeiro monastério - estima-se um total de 4 mil hoje em dia, mas já houve a espetacular cifra de 400 mil no auge do budismo tibetano - aparentemente não agrega nenhuma informação. É um processo meio depressivo, em que o êxtase de chegar a uma praia paradisíaca em Zanzibar, atingir o topo do Kilimanjaro, ver o primeiro leão na Namíbia, topar com a primeira stupa no meio da cidade em Kathmandu, no Nepal, ou entrar no primeiro monastério tibetano decai paulatinamente, perde o que chamamos de 'graça', perde a novidade. Aquilo que parecia um novo mundo, uma coisa inacreditável, uma realização da humanidade, um espetáculo da natureza, vira comum.

- Ih, virou paisagem, penso.

Temos, neste momento, que tomar cuidado com o turismo de consumo, aquele que mencionei que conta o número de países visitados e fica riscando os "100 lugares do mundo que você tem que conhecer antes de morrer" ou outras aberrações da intersecção do turismo com a sociedade de consumo. É hora de buscar a graça no detalhe, ler a história, fazer um desenho, sem a falsa esperança de esgotar as possibilidades, mas sem desprezar a pluralidade de informações que estes monumentos, obras, paisagens, reservam em suas entrelinhas. Em uma destas entrelinhas você pode encontrar algo que estava ali, escondido no canto, atrás da porta ou através da janela, reservado pra você.

2 comentários:

Vivian disse...

Esse negócio de 'virar paisagem' é uma coisa que existe mesmo. Até estava lendo seu outro post, falando que inicialmente você não topava muito repetir destinos e pensei: sou o contrário! Não que eu não goste do novo, mas gosto de olhar com novos olhos as mesmas paisagens, a cada vez que repito um roteiro.

Aí fiquei pensando nesse sentimento de inquietação que a rotina paulistana às vezes me traz. Os mesmos prédios, as ruas que se repetem, os sons sempre no mesmo padrão. Será que o que falta não é 'viajar' na própria rotina e ver a própria cidade natal com olhos diferentes a cada dia ?

É um exercício que estou me propondo, apesar de que credito essa sensação de tédio repetitivo da cidade a um certo estado de espírito tedioso que está, na verdade, dentro de mim. Seja aqui ou em qualquer outro canto lá longe, acredito que ao ver o mundo estamos vendo um reflexo de nós nessa paisagem. Talvez por isso viajar seja tão bom, dado que o espírito geralmente está em festa e desbravador, de forma que enxergamos o mundo através de nosso reflexo aventureiro e feliz - e não através do reflexo tedioso do dia-a-dia.

Mas daí já estou filosofando...rs.

eliza disse...

puxa, estou preparando minha viagem de um ano.... e este texto me fez dar uma choradinha (de emoção pelos primeiros leões, kilimanjaro, zanzibar) e ligar o botãozinho de atenção a este consumismo de lugares. obrigada!