quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Sem Olhar pra Trás

Tem gente que prefere rotina: gosta de voltar sempre pro mesmo bat-café, no mesmo bat-horário, com os mesmos bat-amigos e bat-garçons. Entendo e respeito, mas sou um pouco mais inquieto, particularmente em relação às minhas andanças de mochila nas costas.

Sempre que posso, recuso viajar para lugar repetido. Com espírito bandeirante tardio, prefiro o risco de um lugar desconhecido que a segurança de repetir a dose.

Até uns anos atrás, creio que era simplesmente uma questão de incompreensão da vastidão do mundo, na ilusão de que poderia vir a conhecer tudo. Nada mais lógico, portanto, que curtir os números: fulano visitou todos os continentes, cicrano escalou os 14 picos com mais de 8 mil metros e beltrano já pisou em mais de 100 países. Parei de contar quando me faltavam o Amapá, Rondônia e Acre pra completar os estados brazucas. Logo isso perdeu o sentido, pois percebi que "conhecer" pode ter diferentes intensidades: por vezes tive melhores momentos em um lugar aparentemente sem atrativos, porém com boa companhia. Dou um exemplo: experimente visitar uma metrópole do porte de Nova Iorque ou São Paulo sem um amigo que te leve ao bar do Cidão ou à última peça off-broadway no Greenwich Village? A não ser que você acredite que uma ida ao Ibirapuera, ao Masp e ao Terraço Itália permitem carimbar o passaporte: "conheci Sampa"...

Olhando as coisas dessa maneira, o espírito Indiana Jones sossegou um pouco. Não obstante, segui reticente quanto ao hábito de re-visitar. Mas então a Maca chegava ao Brasil e quis levá-la para conhecer meus principais 'hits'. Qual foi minha surpresa que lugares em que eu havia estado não mais que 5 anos antes estavam completamente transformados e aquelas praias secretas que eu guardara a sete chaves até dos amigos chegados já haviam virado farofada há tempos.

Entrei assim em uma fase reacionária em que não repetia destinos porque eu ficaria muito decepcionado com o 'pogresso', entrando numa fase meio republicana. Mas logo passou. Deixa de ser eco-chato, retardatário, alheio à novidade, pensei comigo. Até parece nego que não ia no Pizza-Hut quando chegou ao Brasil porque acha que toda pizza tem que ser igual a paulistana que ele come todo domingo desde criancinha na casa do vovô. Explico: a meu ver, a redonda do Pizza-Hut tem seu espaço no mercado, com uma devida precaução: rebatismo. Pode gostar ou não gostar do sabor, mas definitivamente aquela gorducha com pimentão e abacaxi deve ter outro nome, porque ela pode ser um biscoito, uma torta, algo assim... mas pizza não é nem a pau! Nem por isso tem que deixar de experimentar.

Com os destinos é algo parecido. Ok, voltar é permitido, mas não crie a expectativa de que tudo ficará como em sua nostálgica memória, de um, cinco ou trinta anos atrás. Há de curtir o que ficou na memória, sem condenar as novas experiências, os efeitos - positivos e/ou negativos, depende muito do interlocutor - do tempo sobre o lugar. Qual o problema de ter luz em Caraíva ou Trancoso? De pavimentarem a estrada pra Visconde de Mauá? De fazerem aeroporto em Morro de São Paulo ou resort all-inclusive em Porto de Galinhas?

O turista deve deixar de se achar proprietário de um destino - que nem paulistano que se acha dono de Itaúnas -, de se achar sapiente do que é melhor ou pior para o lugar, com base em seus ego-interesses de passageiro ou em sua bostinha de aula de economia sustentável toda sexta-feira na GV. E quem fica? E a comunidade?

É evidente que sempre tem gente que ganha e tem gente que perde com as mudanças que a so-called 'civilização' traz. Estas mudanças, no mais das vezes, são motivadas pelo mesmo turista que reclama quando elas chegam (veja o texto 'Rastros'). Também é verdade que muitas das mudanças são motivadas por forças do capital e não visando o bem da comunidade. Mas não pode ser xiita e querer que o lugar congele no tempo apenas para o seu prazer burguês anual de comer une foundue em Monte Verde.

Continuo preferindo novos destinos, mas ciente, agora, que repetir um destino não é pecado. Para desfrutar o repeteco, basta que se mantenha o espírito aberto, como se fosse um lugar novo; lembrando que o novo é, acima de qualquer outra qualidade, o diferente. E - por que não? - deixemos as memórias descansando em paz.

3 comentários:

PCS disse...

Olá,
Conheci o vosso site há uns tempos quando pesquisava coisas da Namibia e daí para cá tenho acompanhado os vossos escritos.
Queria dar-vos os parabéns pela aventura e pedir que continuem a dar-nos conta das vossas impressões.
Devo dizer que me revi bastante neste último post.
Cumprimentos,
Paulo César Santos

Anónimo disse...

Pois é meu caro, na rotina, as vezes é preciso mudar para tudo continuar como está. Belo texto, abraço.
Alex Menezes

Anónimo disse...

Pois é meu caro, na rotina, as vezes é preciso mudar para tudo continuar como está. Belo texto, abraço.
Alex Menezes