sábado, 8 de dezembro de 2007

Rastros

Turista descolado gosta de dizer que gosta de lugar com pouco turista. O problema é que a maior parte dos muitos turistas que não frequentam resort-all-inclusive ou Stella Barros concorda com esta afirmação, tornando os lugares pouco turísticos muito turísticos. Capisce?

Desde há muito o cientista social abandonou a utopia de ser um ser puramente científico, de ser capaz de imbeber-se do tal 'distanciamento' crítico ao analisar do ponto de vista sociológico, antropológico e outros logos da área. Para o turista não é diferente. Não é necessário ser muito iluminado ou humilde para chegar à conclusão de que nosso olhar visitante é fundamentalmente condicionado. Muito menos para dar-se conta que nossa passagem pelos lugares - mais ou menos turísticos - deixa rastros.

Alguns destes rastros, mais evidentes, carregamos: uma toalhinha com meu nome bordado pela tia, samba no ipod e uma brasileiríssima sacolinha do sacolão da Vila Madalena pra levar o xampú da Tanzânia; outros, deixamos pelo caminho em boa fé: a barraca doada para um pescador malagasi, uma toalha no Nepal, um boné chileno para o menino Himba. Além disso, de forma, digamos, involuntária, fica uma cueca em Angola, um relógio em Zanzibar, as Havaianas numa praia em Madagascar e a escova de dentes no Tibete.

Mas isso tudo é muito óbvio.

Na realidade o que me perturba do rastro do turista - nós inclusive - é aquele rastro menos visível, porém muitas vezes mais contundente. É uma contribuição para o ambiente visitado que pode alterar de forma irreversível o ecossistema. Quais são, afinal, as consequências de dar uma esmola ou gorjeta em local onde isso nunca havia sido visto? De aceitar pagar por uma foto de uma pessoa ou de um monastério? De ganhar segundo lugar no concurso do Jerry Marcoss? De participar de uma cerimônia religiosa em uma tribo africana sem ter idéia do universo místico e dos costumes da tribo? De fomentar a barulhenta e anti-ecológica indústria dos vôos panorâmicos sobre Victoria Falls, Kilimanjaro ou o deserto Namibe? De barganhar demais? De barganhar de menos? De reclamar? De não reclamar? De tentar ensinar batuque de samba pra percussionista nepalês? De deixar um Lonely Planet com um tibetano só porque contém a assinatura do Dalai Lama, sabendo que o novo 'amigo' pega 8 anos de cadeia se um policial chinês pega no flagra? De subir num ônibus na China sem autorização sabendo que quem será punido pela fiscalização é o motorista e não o turista?

Alguém aí já quis ser invisível?

Sem comentários: