sábado, 8 de setembro de 2007

A África Seminua

Detrás de uma Himba - nativa negra pintada com lama e vaselina, com os seios de fora, mil colares, cabelo laranja, saia de couro de cabra e um filho pendurado nas costas - e na frente de uma Herero - nativa com vestidos lindos de tecidos com padrões de cores e linhas, com um chifre de tecido e dotadas de uma elegância de dar inveja à Glória Kalil - me pego refletindo sobre o dia surreal que tivemos em uma África seminua, que se mostrou hoje para Maca e eu a partir de 3 momentos bem distintos. Digo seminua, primeiramente, porque sendo, juntamente com a Maca, os únicos brancos à vista, é demais ingênuo dizer que estamos apenas observando a vida como ela é. E digo seminua também porque realmente as nativas andam com os seios de fora na maior - e devemos confessar, para os leitores com a mente mais impura, que por vezes é bacaninha, por outras seria perfeitamente dispensável.


Himba
Voltando à cabra fria, a manhã de hoje nos brindou com uma visita a uma aldeia Himba guiada por um rapaz deste povo que trabalha na pousada em que estamos e que nem inglês fala direito (Fá, me senti igualzinho nas aulas de chinês!). Levamos comidas básicas em vez de dinheiro para oferecer a eles para garantir nossas boas-vindas e fomos muito bem recebidos de fato. O que rolou, surpreendentemente, foi aquilo que podemos chamar propriamente de interação, já que ora nós perguntávamos por que eles se pintavam, ora eles perguntavam por que nós não tínhamos filhos ainda, ora nós perguntávamos o que era o sagrado, eles perguntavam de onde vínhamos, e assim foi. Logo ensaiei um futebol com bola de meia com um par de garotos - sem dúvida o futebol brasileiro continua sendo o melhor embaixador -, pedimos a eles umas fotos de recordação, mas acabamos levando mesmo na bagagem impressões muito fortes e vivas da vida na aldeia. Me assombra que eu nunca tenha tido o mesmo ímpeto dentro de meu país.


Da experiência mais "raiz" fomos a um pequeno restaurante - tipo um bistrô, na realidade - que era a única opção de comida na cidade. Convidamos nosso guia, que ao longo da conversa contou que na pousada pagavam 30 dólares mensais para ele - e este país não é nada barato, com este dinheiro ele consegue almoçar e jantar macarrão sem molho. E só. Ele ficou super sem-graça de entrar no restaurante, nós insistimos. Pedimos carne grande e três pratos, compartilhamos. As garçonetes e os clientes ao lado começaram a olhar feio e sentimos como o preconceito social existe em qualquer escala de riqueza ou pobreza. E Josep, nosso amigo, com a camiseta com enfáticas letras em negrito clamando "NO TO RACISM", comia delicadamente um bife com as mãos. Ao ver que nós usávamos garfo e faca, se envergonhou e quis nos imitar, claramente desacostumado com estes apetrechos. Então pegamos o bife com a mão - para o desespero da dona sul-africana e das garçonetes frescas - e comemos como ele. Lhe disse: "Josep, no money can buy your dignity", alto e claro.


Por fim, no baixar do sol, Maca e eu fomos ver a paisagem em um hotel no alto do morro, um empreendimento de alto luxo com piscina, arquitetura de alto padrão, um chope de primeira e, claro, atendentes todos negros sorridentes e clientes brancos como camiseta de comercial de sabão em pó - ou como a barriga do Grauss, para aqueles que tiveram a infelicidade de testemunhar.


Três tempos e três Áfricas que indicam bem o que temos visto: os colonos e ex-colonos que dominam a economia e mantém uma vida paralela à da vasta população negra; a clara liderança econômica da África do Sul sobre o sul da África; a tensão evidente porém não necessariamente violenta entre negros e brancos - depende do país e do momento; a intolerância com a diferença sendo obrigada a conviver com a geopolítica imposta pelos colonos.


Vimos, em um dia, a África dos nativos, negra, orgulhosa, de poucos recursos, sem ressentimento, linda, risonha; a África dos contrastes, diferenças sociais, étnicas, culturais, linguísticas; e a África dos brancos, marginais, não obstante nababos, tomando martini e vendo o por do sol na piscina, no alto do morro, estrategicamente virados para a paisagem do lado oposto, onde não há cidade, não há pobreza, não há negros, exceto na hora de reclamar a cerveja.

1 comentário:

Anónimo disse...

Texto impactante Celoo... Nada más que decir... Gracias por compartir.