Decidimos tomar o trem do sistema TAZARA (Tanzânia Zâmbia Railway Authority), construído pelos chineses após a África do Sul fechar o mar para a Zâmbia durante o processo de independência e formação nacional, saindo da Zâmbia rumo a Dar Es Salaam - a capital que não é capital da Tanzânia. O Tazara Express - modelo que pegamos - demora a espetacular marca de 40 horas, quando não quebra, o que é muita sorte, para percorrer um trecho de algo como 1.600 km. O busão leva 24hs, mas não tem a mesma graça: Não tem bar, não tem DVD player que você coloca o que quiser e assiste numa poltrona velha no meio do bar, não tem frango frito com nshima, não tem zambianos enchendo a lata, não tem girafa, antílope, Gnu, Javali e outros bichos na janela, não tem criançada correndo a todo pulmão só pra dar tchauzinho de perto - e tomando susto com os branquelos na janela -, não tem cama verde com cobertor meio mofado, não tem malandro tentando roubar o bilhete pra falsificar, não tem os inesquecíveis cheirinhos do banheiro e da suvacada dos muchachos e muchachas 40hs sem ver ducha.
Como a prioridade nacional era o cobre do copper-belt e não o turista sul-americano, tivemos que subir num incômodo ônibus de 4 horas para a cidade de Kapiri-Mposhi. Ao (des)acomodar-nos no estreito assento que não reclina nem a pau do Marcopolo de 5 lugares (ou seja, 60 assentos em vez de 44, agrupados em dois e três por linha, sem banheiro), percebemos algo que já não era para espanto a esta altura da viagem: o coletivo só sairia após preenchidos todos os assentos. Deixamos o preciosismo de lado e pensamos, hmmm, temos 3 horas de margem de folga e o trem deve atrasar mesmo, oras bolas; e começamos a procurar leitura.
Como sempre, o povo vence a leitura - que insiste em não avançar - e o movimento dentro do ônibus cativou nossa atenção. Achamos peculiar que uma ambulante subisse ao corredor para vender calcinhas para os passageiros. Em seguida outro fulano entrou vendendo as óbvias revistas e jornais, e na saída trombou com outro vendendo os também óbvios chocolates e balas. Nos próximos minutos subiram vendedores de eletrônicos e acessórios, parecia um típico camelô da Teodoro: relógios, capas e carregadores de celular, fones de ouvido e rádio para ouvir com o fone. Logo deram lugar para a turma da vestimenta, que desfilou panos coloridos, cintos, sandálias de couro e do tipo havaianas - evidentemente não legítimas -, bonés e até as peculiares gravatas e cuecas, que não podiam faltar depois das calcinhas. Nos sentíamos em uma loja de departamentos, a diferença é que a loja se movia, caoticamente, em um corredor único, enquanto ficávamos parados. Em um país com 72 idiomas, nosso esporte predileto era "No, thank you."
A esta altura, já era segundo tempo de partida - nossa margem de segurança para um trem que parte duas vezes por semana ia diminuindo - e a fome e a sede apertavam. Claro que os vendedores de maçã, biscoito, água, sucos e refrigerantes sabiam disto. E, para a sobremesa, aparece rapidamente a moça com bolo e chiclete.
Parece que para mostrar o contraste do velho com o novo na tecnologia, menino passa com DVDs e fitas-cassete pra vender - este eu nem sabia que ainda existia! De olho no relógio, mas sem ninguém para avisar do atraso, vimos quatro ou cinco sujeitos empurrando cartões de celular pré-pago pra turma, quando o ônibus já parecia lotado.
Finalmente, quando tudo indicava que o transporte iria nos transportar para algum lugar, motores em ação, já nos acréscimos da paciência, um último vendedor sobe para, convenientemente inspirado nas estatísticas das estradas africanas, vender bíblias aos fiéis que não confiavam muito na santíssima trindade - no caso: 1) o ônibus mal-cuidado; 2) motorista desconfiável; e 3) estrada esburacada.
Amém... ou Ommmmmm?
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