Às vezes a gente acostuma tanto com nosso jeito de ser, fazer coisas, com o que vimos na TV e nos países vizinhos que a gente esquece que tem soluções diametralmente opostas para problemas equivalentes. Viajar ajuda a lembrar. Comecei a pensar nisso quando avaliei como umas horas na estrada podem te falar muito sobre um país.
Me lembro ainda criança, quando estive nos EUA, passeando por uma estrada impecavelmente lisa e reta que, incrivelmente, tinha limite de velocidade... mínima! Via de regra, a disciplina dos estadunidenses na estrada (e de muitos países europeus, provavelmente) é tamanha que o sujeito liga o estabilizador de velocidade nas 60 milhas e larga o pé do acelerador. E carro (ou motorista) velho que não chega a 40 mph nem entra. Guiar na estrada (em uma highway decente) lá é praticamente sinônimo de esterçar o volante de quando em quando.
Já no Brasil, convivem os esportivos importados último modelo - um passarinho me disse que o Brasil é o terceiro mercado mundial de Ferrari - com o 'utilitário' 1.0 flex, o corcel 73 e a frota de caminhões mal conservados que fazem o trabalho sujo do transporte de mercadorias. E, em algum escritório em algum canto do país, engenheiros do Departamento de Estradas e Rodagem (DER) - uns bem intencionados, outros puxando a sardinha para algum escuso interesse privado - tentam achar uma fórmula maluca pra que a coisa ande. Meio que lembra o planalto, não?
Em Angola, a tentativa de estrada que passa no meio dos buracos que se estendem de norte a sul no país dispõe de elementos que tornam o deslocamento mais emocionante que River Raid de madrugada escondido da mãe: além dos buracos supracitados, minas remanescentes da recente guerra civil escondem-se embaixo da terra em determinados trechos das margens da estrada; guia-se de uma maneira, digamos, intrépida (lembre: isso não é um elogio!); e para finalizar bichos cruzam a pista de vez em quando pra assustar ainda mais o motorista escaldado - e, de toda a escassa fauna remanescente no país, o bicho mais assustador nesta circunstância é o policial rodoviário, mais corrupto que padre da Record. Aí, pra completar o cenário, com os petrodólares que jorram do norte, o governo angolano contrata os chineses pra reconstruir estas estradas. Ora, uma coisa é comprar o abridor de 1,99 made in china porque se perder ou quebrar, compra logo outro, talvez na próxima cria coragem ou vergonha na cara e compra logo um de aço inox. Outra coisa é uma estrada feita por ambiciosos engenheiros chineses supervisionada por políticos angolanos corruptos. Coisa boa daí não sai.
Viajar pelas estradas da Índia, no entanto, novamente supera os parâmetros convencionas. O estado variado das estradas geralmente pende pro muito ruim, em que mal cabe um veículo na pista que, no entanto, é duplo-sentido; o asfalto é notoriamente esburacado; vacas, cabras, porcos cruzam a pista calmamente, não importa se é cidade ou campo. Tá, até aí, não é muita novidade pra brasileiro pé-na-estrada que já pegou transamazônica de jamanta, Belém-Brasília de busão ou Rio-Recife de bicicleta. Mas a novidade se anuncia com um curioso anúncio presente na traseira de 100% dos coloridos caminhões e tratores do caminho: "Please Blow Horn"... Buzine, por favor?
O hábito de guiar, para este povo com que temos contato - sei que no Nepal e Tibete funciona parecido - se assemelha à personalidade deles no dia a dia: dispersa, resolvendo aquele instante como se fosse o único, sem se preocupar muito com o que vai à frente nem com o que vem atrás. Retrovisor, quê isso? Buzine, pliz.
Pra lidar com as ruas e estradas da Índia tem que fazer que nem com cachorro brabo: não importa o quanto o bicho corre e ladra em sua direção, continue fazendo o que está fazendo, passeando em bicicleta, caminhando pela rua, conversando com o sorveteiro. Não dê atenção ao cão, por mais feroz que pareça. Se você demonstrar medo ou correr, o mais provável é voltar pra casa, no mínimo, com uma mordida na canela - claro que, se estiver roubando jaboticaba do quintal do vizinho, aí tem mais é que correr mesmo.
Mas se você estiver guiando ou até mesmo cruzando a rua na Índia, o negócio é não fazer movimentos bruscos, tudo deve ser suave. Se está caminhando, ouve uma horda de frenéticas buzinas, continue caminhando, cruze a rua devagar, mesmo que dezenas de scooters, motos, auto-rickshaws, bicicletas, vacas, carros e até caminhões venham caoticamente em sua direção. Se ouvir uma buzina, não se desespere, não saia correndo, apenas saiba que atrás vem gente. Se estiver guiando, confie que o caminhão que se aproxima em feroz contramão não tem a intenção de se chocar nem de te assustar; ele vai voltar para seu lugar, provavelmente antes do temido incidente. Ou então ele, bem como o motorista de seu veículo, sabem que o acostamento está lá, pra isso mesmo.
Assim, quando seu ônibus está passando o caminhão que está passando o auto-rickshaw, que está passando o rickshaw, que está passando a bicicleta, que está passando o cidadão, que está passando a vaca, tudo isso no meio da curva pra esquerda ao lado do precipício à direita, e aparece uma jamanta no sentido oposto, lembre que, pra sua sorte, ambos os motoristas são indianos.
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3 comentários:
Olá Marcelo e Maca,
adoro dar uma olhada no blog de vocês, está demais!
Fico bem animada, afinal, esse ano também cairei na estrada.
Por isso vim pedir o email do agente de viagem que ajudou vcs com o orçamento de passagens. Poderiam mandar para o meu email?
abraços,
Flávia (brasileira de Zanzibar)
Flavia, apaguei seu comentario para evitar spam!! ja ta na agenda! Bjs
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