sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Made in China

O chinês é um povo explorador, admirável pela coragem com que deixam sua terra sem ter idéia dos idiomas - sequer do alfabeto - do lugar de destino em busca de oportunidades de negócio, especialmente oportunidades comerciais. Toda metrópole que se preza no mundo tem sua cota de restaurantes chineses e lojas 1,99, quando não bairros inteiros como os Chinatown dos EUA.

Ao visitar o Tibete, nosso limite setentrional foi Lhasa, capital do país - digo, da chamada "região autônoma" invadida no pós segunda-guerra pela China. Neste ano de 2007 foi inaugurada uma sensacional obra da engenharia chinesa: a estrada de ferro Beijing-Lhasa, que levará não apenas milhares de turistas - sem ter que enfrentar as asperezas do caminho via Nepal nem as asperezas do transporte público vindo da China - e milhões de chineses ao Tibete . Além do novo canal de turismo que começou recentemente via trem, o governo chinês criou diversas condições suplementares para levar o povo chinês para o planalto mais alto do mundo - isenção fiscal, facilitação de empréstimos etc. O discurso é aquele tipo Brasília ou Zona Franca de Manaus: vamos povoar o deserto, conquistar as regiões inóspitas do país e tal. A razão verdadeira é a "Revolução Cultural" maoísta que busca dizimar a cultura e particularmente a religiosidade tibetana, garantindo seu domínio territorial e aplacando de vez a crítica mundial que condena tardiamente a invasão de um dos países mais budistas do mundo, crítica esta liderada atualmente por EUA e seus super-prêmios - afinal George W. Bush, após 2 governos sofríveis, ficou realmente conhecido por seu suporte a causas humanitárias, não? - e outros hipócritas que lambem o saco do Dalai Lama e dão prêmio Nobel e tal só para sair no jornal e apurrinhar o rival geopolítico do momento.

Para o bem ou para o mal, Lhasa tem um gosto de China. E o gosto é amargo.

Com estes chinatowns espalhados pelo mundo, acostumamos a conviver com a comida chinesa como um programa diferente ou até exótico. Com o tempo até delivery chinês surgiu e nos EUA é muito bem-sucedido - basta ver filme policial para comprovar. Os imigrantes rapidamente criaram canais de importação para os produtos provenientes de seu país. Por fim, nas últimas décadas, as grandes empresas globais - calçados, roupas, utensílios domésticos, ferramentas e especialmente eletrônicos - passaram a assinar seus produtos "Made in China" em mais uma destas estratégias predatórias da chamada "competitividade", pra não dizer a verdade, que é "exploração máxima da mão de obra barata em busca de maior lucratividade sem importar condições de trabalho". Afinal, isso é problema dos chineses, não? Aí justamente é que todos se enganam.

O resultado é o evidente aumento do poder chinês com o capital estrangeiro e a massiva dispersão de seus produtos - seja indústria nacional, seja produzido internamente para o mercado externo. A crescente substituição de produtos de alta qualidade, duráveis, responsáveis social e ambientalmente, de indústrias nacionais - discurso corrente do que é economicamente sustentável - por produtos Made in China (ou Taiwan, Cingapura, qualquer que seja a bola da vez) mostra um caminho aterrador para a sociedade de consumo - que já não era flor que se cheire.

E eu com isso? No Brasil, assim como em tantos outros países cujas terras foram colonizadas pelos europeus navegadores, e cujo imaginário foi colonizado pela indústria de Hollywood, a burguesia, no melhor estilo looser, acostumou a criticar a indústria nacional e pagar pau para qualquer coisa "importada". Mas a indústria chinesa, presente no Tibete e particularmente onipresente em Lhasa, predica um futuro assustador: tudo descartável, nada reciclável. Olho ao redor e vejo uma imundice e falta de manutenção notáveis - desde o talher do restaurante até a estrada. Nos hotéis, mesmo nos mais caros e/ou novos, a escova de dentes não dura sequer uma escovada, as tomadas não funcionam, a cortina do banho cai sozinha, a torneira da pia suja não fecha, o carpete é imundo (i.e. nunca foi sequer aspirado, apenas varrido), a janela emperra, a porta do armário cai, a maçaneta enguiça, o interruptor é temperamental e o lençol só pode ser brincadeira - não cabe na cama, revelando, na primeira mexida, o colchão do - ora veja só! - Snoopy.

Por estas e outras reforço meus aplausos a um empreendedor como Fernando Curtlo, que faz equipamentos de esporte de aventura e montanhismo (como a atual mochila da Maca) com produtos e mão de obra 100% nacionais. Isso não é nacionalismo ufanista que nem republicano do Texas. Isso é visão de futuro.

2 comentários:

Anónimo disse...

Celo,
Apesar de ver coisas boas no descartavel - especialmente se reciclavel, mesmo que nao reutilizavel - concordo com seu ponto de vista em relacao a esse lado interessante da nossa cultura brasileira, de usar o que a gente tem.
Eu percebi com satisfacao o desenvolvimento do orgulho nacional durante meus anos de faculdade, acho que concomitante ao impeachment do Collor e a presidencia de FHC.
Minha mae ja nos criou tendo orgulho do nosso pais, aproveitando tambem o que os outros paises tem a oferecer e usando as viagens como oportunidades para relacionar e ensinar (talvez nem tenha sido tao conscientemente assim, mas acho que foi a consequencia para nos tres): como os franceses souberam manter a cultura deles, como os italianos valorizam o vinho da casa, como os estados unidos prezam a organizacao e o respeito as leis, e assim em diante.
Nosso pais tem muita coisa a oferecer: nossas comidas, nossas frutas, nossa moda que se espalhou pelo mundo e virou referencia, bem como as nossas modelos. Ate o futebol, que anda meio precario, ainda eh admirado por ai afora. A qualidade humana, afetiva. A criatividade, a alegria de viver.
Agora, veja voce! Banco Bradesco esta no mercado internacional e suas acoes estao super valorizadas. Ontem o Spicer me chamou pra ver a noticia no canal da bolsa que ele assiste.
Como o Guto nao cansou de dizer em sua temporada aqui, "Brasil is the future!"
beijos aos dois viajantes
Guga
*^^*

skok disse...

Maca y More, sigo sus aventuras paso a paso y no dejo de admirarme con las fotos, las hitorias y las reflexiones en el More (hasta aprendí a decir calzoncillo en portugués!) Un abrazo enorme para los dos. Fran