Cena comum na vida de um brasileiro, no ano novo, é fugir da cidade ou da montanha e correr para a praia pular ondinhas para dar sorte. Tradição antiga, não sei ao certo a que remonta, tem cara de tributo a Iemanjá, mas o fato é que, além das lentilhas para sorte, da cueca amarela para dinheiro, tem as três ondinhas.
Cena quase tão comum quanto a descrita acima é voltar para calçar as havaianas e perceber que elas mudaram de cor. Os ortodoxos e os céticos imediatamente explicam que é um erro atribuído à escuridão natural da praia, misturado com algumas taças (se não garrafas...) de champanhe que ocasionam o trote. No entanto os românticos - e aqui me incluo - defendem arduamente que é presente de Iemanjá, e para cada cor inventam uma sorte: azul para saúde; vermelho para amor; verde para dinheiro; e assim vai. Este ano fui com havaianas azuis e voltei com míseras pretas. Apesar da falta de originalidade estética de Iemanjá, logo resolvi que preto era sinal de viagem, e cá estou.
A modernidade traz novas complexidades e a criatividade do folclore de boteco tem que correr atrás, logo as novas havaianas douradas, com desenhos, bicolores, recebem todos os tipos de atributos para os recém-empossados, otimistas, começarem o novo ano não sei se com o pé direito ou esquerdo, mas definitivamente calçando uma havaiana metamorfoseada por Iemanjá para dar algum tipo de prêmio no ano vindouro.
Mas não apenas de novos desenhos e cores e modelos vive a modernidade da brasileira havaiana. Os tempos da globalização espalharam sua fama internacionalmente e a sandália inventada por um criativo engenheiro da alpargatas com resto de sola de sapato, explodiu no mercado europeu, além de ser objeto de desejo em outras paragens, como no quase vizinho Chile.
Consequentemente, aquela história de reconhecer um brasileiro por suas havaianas só vai funcionar se for um amigo casado com um par de polinésias, porque tá cheio de francês, inglês, italiano usando a despretensiosa sandália, que fora um dia, coisa do povão. Mais consequentemente ainda, após se deliciar em restaurante típico de Zanzibar - em que se tiram os sapatos e se come no chão ouvindo um trio de negros com batas tocando acordes árabes, enquanto saborea-se comida do mar com mil especiarias acompanhado de quiabo e jiló - percebemos que nossas legítimas haviam metamorfoseado de preto a marrom - no caso da Maca: puxando pro dourado. Apesar de cercados de água por todos os lados - Zanzibar na verdade é um arquipélago e praticamente um Estado autônomo - a história de Iemanjá tava difícil de colar. Além disto, a minha era um número menor e a da Maca um número maior e a deusa nunca se engana desse jeito na costa brasileira.
Resolvemos deixar os deuses em paz, assumir mais uma vez a bela expressão swahili - que infelizmente foi tão gasta após o Rei Leão que agora virou um belo pé-no-saco - "Hakuna Matata", e vamos em frente. A cor marrom cintilava, no entanto, entendemos que era "Terra" e decidimos enfrentar a escalada do Kilimanjaro, nossa próxima escala.