Antsirabe é a cidade "onde há muito sal" segundo os Malagasis. Para mim, no entanto, o sentido correto deveria ser outro: a cidade "onde as árvores choram".
Na avenida principal desta pequena grande cidade malagasi, grandes árvores providenciam merecida sombra para os passantes. E, em cima de quase todos, derramam lágrimas.
Choram sobre a palma da mão estendida dos pedintes, miseráveis, não obstante ingênuos e nada violentos, que grudam no turista francês - eventualmente brasileiro ou chileno, mas muuuuuuuito eventualmente - para pedir qualquer coisa, desde caneta até pão ou dinheiro. Grudam mesmo, repetindo como se fora um mantra seu pedido, para ouvir a mesma repetida sabatina do turista: "Non".
Choram sobre a palma da mão cansada da pedinte-mãe que percebeu na filha a oportunidade de subsistir: instrui apressada o rebento - que nem bem anda ainda - a correr atrás do senhor de bigode que passa com a camisa dentro da calça fumando Galois, arranhando suas 3 palavras de francês: monsieur, argent, sivuplê.
Choram no chapéu de palha do puxador de "pousse-pousse", versão malagasi do indiano rickshaw (táxi-carroça puxado por gente). São velhos trabalhadores tão miseráveis que alugam um carrinho de madeira para rogar por trabalho puxando gente de um lado para outro de uma cidade de 5 km de envergadura por quantias próximas a um US dólar, utilizando como combustível apenas seus caleijados pés descalços no asfalto quente ou no piso irregular de terra e pedregulhos.
Choram em cima dos vendedores ambulantes de pentes, óculos escuros, batatas-fritas e outras frituras, cartão de celular pré-pago, mandioca, nêspera, manga, tomate, couve, repolho, grão de bico, canetas, cortador de legumes, doces caseiros, radinho de pilha, pilha, chapéus artesanais de palha, bolsas artesanais de palha, camisetas, passeios turísticos e, claro, maconha.
Choram, também, tanto sobre os dedos de violeiros nostálgicos que entoam o velho folclore regional no fim da tarde, quanto sobre os testemunhos de jeová, que se reúnem semanalmente para louvar deus em dedicada cantoria.
Choram no ombro dos poucos turistas que, como nós, caminham. E, caminhando, experimentam esta realidade sem tempero nem preparo, crua como ela é.
...e os poucos automóveis velhos da cidade passam em velocidade mediana; e os muitos automóveis de luxo com motoristas contratados pelos turistas passam em alta velocidade. Sobre seus rostos, claro, as árvores não choram.
domingo, 4 de novembro de 2007
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2 comentários:
Celo e Maca...
A Clarinha nasceu!
A rebenta e a Lina estão super bem. O Caco não. Está com um ataque de bába.
Beijos!
E é baba, não bába.
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