Todo membro da burguesia brasileira, em tempos de cursinho, passa por meses bem particulares, uma primeira provação de responsabilidade que indica a aproximação com a chamada "vida adulta". Antes desta fase, quando se estuda, primário ou colegial, passar de ano basta para prosseguir a vida acadêmica em paz. O vestibular, no entanto, vem carregado com outro tipo de aprovação: sim ou não; não há bem um meio termo, do tipo melhor ou pior - exceto nas faculdades em que havia segunda opção, coisa que não sei bem como anda hoje em dia.
Neste tempo adolescente, distinguem-se aqueles que são obstinados - querem entrar em uma boa universidade -, aqueles que são orgulhosos - sentem que podem entrar em uma boa universidade - e aqueles que são obrigados - cobrados, em particular pela própria família, a entrar em uma dita "boa" universidade.
Em meio a esta tensão adolescente, dividido entre o obstinado, o orgulhoso e o obrigado - creio que pendendo um pouco para o orgulhoso -, submergi nos estudos com o propósito de entrar na Politécnica da USP. Neste tempo, obrigação para mim era estudar, obstinação era resolver os desafios de matemática do Ponce - professor de matemática do Anglo - e orgulho era decifrar teoremas e fórmulas que os outros decoravam. Assim, reformular aritmeticamente o teorema de Pitágoras ou deduzir a fórmula de Báskara eram, nestes tempos, atividades de lazer.
Tirando o lado "nerd" da frase acima, uma pequena mágica existe por trás deste chamado "lazer" - ou seja, entender, decifrar, deduzir. É uma arte, um exercício de criatividade e lógica, ao passo que decorar, memorizar uma fórmula, é um simples exercício mecânico, que nunca me pareceu interessante.
Ao fim da faculdade - depois do terceiro câmbio de carreira - criei, com meu primo-amigo-sócio Guto uma empresa - não coincidentemente chamada Primo Comunicação. No entanto, nenhuma das minhas três faculdades, como tampouco a arquitetura incompleta de meu sócio forneciam subsídios para o empreendedor, administrador de empresas, e fomos evoluindo na base da "cabeçada". Pode não ser produtivo, pode não ser rápido ou financeiramente rentável, mas ao fazer as coisas de "cabeçada", senti como quando deduzia os teoremas do cursinho: sua-se muito mais, mas no fim a coisa toda faz muito mais sentido e a gente aprende para sempre. Aprender pela experiência é um aprendizado notável. Assim, de cabeçada, sem colar, sem que o colega ao lado sopre a solução.
Quando viajamos, esta encruzilhada se nos faz presente a cada instante, em todos os lugares a serem visitados. Penetrando-se mundos mais originais e distintos de nossa origem e formação cultural, o universo sígnico é mais complexo e distante. É o caso de regiões e países com religião, idioma, costumes, roupas, alfabeto, arquitetura diferentes de nosso hábito. É o que mais me fascina no mundo árabe e na China, por exemplo - que ficarão para a próxima viagem.
A primeira vez que entramos a um templo hinduísta no Nepal, submergimos no riquíssimo universo simbólico desta religião e nos assolou a seguinte dúvida: ler a bíblia dos viajantes - Lonely Planet e afins - ou, em oposição frontal a este turismo de enciclopédia, deixar os estímulos - arquitetura, esculturas, cores, cheiros, sons, brisa, calor, vista da montanha - te confundirem inteiro para levar a imaginação a um qualquer lugar distante, não necessariamente preso aos paradigmas da história escrita. Quem sabe, no final das contas, se a passiva contemplação não pode levá-lo a deduzir, como num teorema, um universo simbólico de origem tão remota, não obstante cada vez mais presente em nosso cotidiano?
Não prego que é sempre necessário reinventar a roda ou aprender a mexer no celular sem ler o manual. O que é fundamental é não se esquecer da crítica - ou seja, por mais que a roda seja genial, muitas vezes não é a melhor solução para seu problema. Quem já ousou se perguntar por quê o quadrado da hipotenusa é a soma dos quadrados dos catetos sabe do que estou falando.
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