sábado, 24 de novembro de 2007

Moda na Montanha

Nascido em São Paulo, comecei a fugir da urbe pré-adolescente, quando acampei pela primeira vez em Ilhabela, levando um aquecedor elétrico que não bastava sequer para ferver água pro miojo. No ano seguinte os mesmos amigos fomos para Itatiaia em uma experiência radical e inesquecível de montanhismo, em um dos últimos anos em que ainda se permitia acampar dentro do parque. Aprendemos na marra a cozinhar, escalar (níveis básicos, obviamente) ficar dias sem banho e cagar no mato. O que nunca superei foi o frio que passamos com nossos recursos básicos de camping. Lá, passamos frio a meros -2 °C no pé das montanhas.

Com o tempo ganhei experiência, fiz muitas viagens para a montanha, e muito embora não me considere um fissurado ou profissional, tenho um currículo razoável para aquele paulistano do começo da história - dei a volta na Ilha Grande em 7 dias de chuva, paseei na Gran Sabana venezuelana, subi Agulhas Negras, conheci de perto o Aconcágua cruzando os Andes da Argentina ao Chile, caminhei dias na Patagônia chilena para ver as Torres del Paine, me arrastei com não pouco custo pra cima do Kilimanjaro, visitei um pouco mais de longe os picos nevados do Nepal e em breve embarcaremos para o acampamento-base do Everest no lado Tibetano da montanha - onde devemos dormir a mais de 5 mil metros de altitude em um mosteiro.

Mesmo após estas pequenas aventuras, continuo sofrendo com o frio e a falta de equipamento. Não sei se sou pão duro, se é sempre um problema circunstancial (viagem longa = roupas leves) ou se simplesmente sou um brasileiro que não se habitua nunca com o frio consequente da altitude. O fato é que não superei o desafio das roupas na montanha: na savana venezuelana, meu irmão Fabio e eu fazíamos rodízio para cuidar o fogareiro aceso dentro da barraca para nos aquecer; no Kilimanjaro usei quatro calças, quatro meias, duas camisetas, três suéters, dois casacos, dois gorros, duas luvas e morri de frio; no Tibete alugamos roupas "especiais" - claro que tudo chinês falsificado -, mas ainda sigo desajeitadamente sofrendo com meu gorro vermelho, casaco verde-azul, calça marrom, meia corinthiana e sapato bege descolando a sola. O que salva é a barba que, após 3 meses, além de divertir os monges do Tibete que me acham com cara de Iaque (tipo de gado cabeludo), esquenta minha cara e de quebra dá pra esconder um dinheirinho ou uma caneta.

Enquanto isso, na sala de justiça, bravos velhinhos europeus tiram de letra o frio dos 5 mil metros da altitude Tibetana com seus conjuntinhos North Face tudo-combinando com as botas Timberland, coerentes com os cabelos brancos moderadamente penteados, não sei por quê, todos pro lado direito. Suspeito até que eles tomaram banho debaixo dos 15 negativos em que dormimos uns dias atrás, perto da fronteira com o Nepal. É tamanha a perfeição como se arrumam, a elegância e desenvoltura como descem calmamente do carro para sacar fotos em meio ao vento cortante do planalto tibetano, que não posso deixar de aplaudir.

Como aplaudir não fosse suficiente, resolvemos criar uma nova categoria de super-heróis da montanha. Em homenagem à excelência de suas roupas e modos, os batizamos de "Os Impecáveis", aqueles que não se deixam abalar nunca pelas adversidades da montanha.

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