"Claro, se a gente se conhecer um pouco melhor e se gostar e tal, daí a gente troca e-mails e podemos manter contato!".
Que italiano é desbocado e direto eu já sabia. Mas a pertinência da honesta colocação de Massimo durante nosso primeiro almoço no Tibete me surpreendeu e me pôs a pensar.
Em tempos de adolescente, andando pelos corredores do colégio, me sentia popular. Conhecia muita gente, cumprimentava muita gente, conversava com todos com que topava no corredor. No momento em que parti e vivi fora 6 meses - isto foi antes de existir e-mail, crianças! - notei que me correspondia com não mais que três ou quatro companheiros que se davam ao trabalho de me dar notícias e cujas vidas realmente me importavam. Quando voltei, continuava cumprimentando todo mundo, mas bastante mais ciente da diferença entre amigo e colega.
Viajando, século XXI, a coisa é diferente e igual. Difere porque temos o correio e mensageiro eletrônico que facilitam enormemente a manutenção do contato além-mar, ou a qualquer distância, inclusive com o vizinho; Igual porque não interessa, na verdade, a facilidade da comunicação, se o mochileiro tiver clareza da dificuldade que é fazer um amigo de verdade nestas condições e reproduzir a amizade em casa, em outro contexto, outras condições de temperatura e pressão - idioma, amigos originais, rotina, trabalho e família, entre outros.
No exemplo da escola, o dia a dia te obriga a encontrar o colega, como mais tarde o faz uma eventual faculdade ou a rotina do ambiente de trabalho. Mas a distância - seja um intercâmbio escolar de seis meses, seja uma mudança de trabalho ou uma mudança de cidade, por exemplo - obriga a rever esta relação, pois "custa" mais a manutenção da dita "amizade", mesmo com as ferramentas atuais.
Então, com a distância, a amizade genuína pode desdobrar em duas situações: gente que sabemos que não interessa o quanto vamos nos comunicar, o carinho e a conexão são tão fortes que inexoravelmente a relação será mantida, apenas sob novos contornos; e gente que merece aquele esforço extra para regar a amizade e garantir que subsistirá até a próxima oportunidade de um encontro presencial.
Viajando, esta experiência se repete com frequência - maior ou menor em função da personalidade do(s) viajante(s). Cena comum é troca de e-mails na maior das animações, após três dias em um trem, para nunca mais se ver ou sequer trocar um e-mail. Comum também é uma troca efusiva de e-mails a princípio que vai murchando com o passar dos dias e semanas e com a retomada da rotina, até irremediavel e naturalmente cessar o contato.
Nos passados três meses e bolinho, conhecemos, evidentemente, muita gente. A natureza inquieta que nos trouxe para África e Ásia - por enquanto! - se aplica também às pessoas que cruzamos no caminho, sejam visitantes de outras partes do mundo ou habitantes do lugar visitado. Assim conversamos, comemos, viajamos juntos, às vezes por convergência de planos e percepção de mundo, outras por opção, alterando um pouco os planos para ficar por perto. Há vezes, porém, que ambos os motivos concorrem - aspirações e vontade de estar por perto. Então a gente desconfia: pode ser amizade.
Logo percebemos que não estamos apenas conversando sobre o lugar em volta, nem sobre experiências pitorescas de viagem ou dando dicas sobre lugares por que passamos, mas estamos naturalmente falando de coisas de nossa vida, tentando "vender" nosso país para que nos visitem, contando confidências e sentimentos e falando de aftas ou do Ó do Borogodó. Logo percebemos que é mais que troca de e-mails e aquele: "Opa, se estiver no Brasil ou no Chile manda um e-mail!!"
Fica evidente que a relação está mirando ao futuro quando a conversa descamba para os próximos passos de cada um - não próxima parada de viagem, mas planos de vida propriamente. Então você percebe que o contato não é um sofá para economizar dinheiro de hospedagem em Londres ou Bogotá, mas alguém que merece o esforço genuíno da visita amiga, o e-mail perguntando "Como estão as coisas?" pra valer, desprovido da retórica de corredor do colégio. É alguém que merece que você esteja presente - ainda que de longe - no dia a dia. E vice-versa. É alguém que você respeita e sempre respeitará, que cuida e cuidará, como seus poucos bons amigos que ficaram em casa.
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1 comentário:
Celo
Que texto mais lindo!
Logico que eu me encontro nele tambem pelas circunstancias, mas me tocou a maneira como voce se da conta de que a relacao eh amizade... "Entao a gente desconfia..."
E o que leva a tal desconfianca... lindo!
beijos
guga
*^^*
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